O meu pai costumava dizer, citando um amigo, que os gostos mudam com a idade: começamos por gostar mais de cerveja e depois crescemos para o vinho, das batatas fritas para o arroz e da carne para o peixe. Eu saltei a fase da cerveja – não gosto, nunca gostei e não prevejo que isso mude. Mas aprendi a gostar de vinho com a idade. Nas outras coisas, suponho que esteja a meio do processo, dividida entre batatas fritas (caseiras!) e um bom arroz, e a comer cada vez mais peixe.
O peixe era o meu ódio de estimação. O peixe assado era racionado numa tacinha lá de casa, a mais minúscula do armário. E dia de peixe era dia de filme – a menos que fosse bacalhau. A idade traz juízo e a vontade de me alimentar cada vez melhor leva-me à procura de formas diferentes de comer peixe, para conseguir incluí-lo com mais frequência na minha dieta, não abdicando do prazer de comer. Porque não quero passar a fazer peixe cozido só porque é muito saudável, se depois é um castigo comê-lo.
Ando, portanto, numa cruzada piscícola. Compro novos peixes (sem esquecer a lista vermelha), experimento receitas e novas formas de cozinhar. E, devagarinho, vai havendo tanto peixe como carne (e pouco dos dois, que é assim que faz melhor).
Este arroz nasceu do improviso. Apetecia-me um arroz malandro, de tomate, à boa portuguesa. Comprei umas postas de perca, a que tirei pele e espinhas e transformei em cubos, e um bom molho de coentros (outro ex-ódio meu, que hoje adoro). O resultado agradou tanto que este arroz tem aparecido na nossa mesa todas as semanas. Já o fiz com congro (que dá um trabalhão, por causa das espinhas) e com perca. Em termos de sabor prefiro o congro, mas implica retirar-lhe as espinhas depois de estar cozido e antes de juntar o arroz – e as espinhas do congro são as mais chatas que já vi. Eu rendi-me à perca, mas qualquer peixe branco é bom para esta receita.

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Arroz caldoso de peixe
Num tacho grande, aqueça um fio de azeite e refogue ligeiramente uma cebola grande e 3 dentes de alho, finamente picados. Acrescente uma cenoura em meias-luas finas e um pimento vermelho, em pedaços. Frite ligeiramente, em lume médio, até que os legumes amoleçam ligeiramente.
Acrescente uma lata de tomates pelados, desfeitos entre os dedos, todo o sumo e duas latas de água. Se quiser, junte um caldo de legumes (ou de peixe – eu prefiro de legumes). Adicione ao tacho os talos dos coentros, finamente picados, uma pitada de piri-piri e outra de sal. Coloque o peixe na panela, baixe para lume brando e deixe cozinhar 10 minutos.
Adicione uma medida de arroz de risotto (a variedade que mais gostar) e deixe cozinhar destapado, mexendo de vez em quando – tenha cuidado, se não mexer o arroz cola ao fundo da panela. Vá acrescentando mais água à medida que for necessário, para manter o caldo espesso mas abundante – e sempre que juntar água, lembre-se de acertar o sal.
Quando o arroz estiver cozido (mas ainda ligeiramente al dente, que é como se quer este arroz), sirva e polvilhe com coentros (agora as folhas) picados.

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A quantidade de água vai depender do arroz, do peixe, dos legumes (da água que o arroz absorver e da água que peixe e legumes libertarem). Normalmente uso, no total (a contar com as duas latas adicionadas no início), 3-4 medidas. Ajuste à medida dos seus ingredientes; isto pode requerer alguma prática, mas apanha-se rapidamente.
Este arroz faz-me feliz. Tem sabores fortes e quentes e o peixe que me faz tão bem – e não é nenhum sacrifício comê-lo. Nestas noites ainda frias, com a vaga polar que nos visita, é conforto num prato fundo.
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