O mundo dos assados não é muito explorado cá em casa. Nós usamos o forno frequentemente, sobretudo para assar pão ou pizzas caseiras, os ocasionais biscoitos e os ainda menos frequentes bolos. Mas assados, daqueles com carne (ou peixe), molho, batatinhas, não fazemos muito. Para grande pena do meu marido, devo dizê-lo.
E não fazemos por motivos simples: eu sabia que nenhum assado feito por mim estaria, algum dia, à altura da vitela assada de Arouca ou do frango assado que a minha mãe faz todos os Domingos. E como não gosto de ser apenas mediana, decidi nunca entrar nesse mundo.
A coragem voltou quando vi uma receita num exemplar da revista Fine Cooking, que o Zé me trouxe de San Diego. Coincidentemente, na mesma semana vi outra receita parecida, no programa “Jamie at Home”, do Jamie Oliver. Parecia que os astros estavam a tentar dizer-me qualquer coisa. E como podia eu ser a esposa primorosa que procuro ser (e quem me conhece bem está agora a rebolar às gargalhadas) sem saber fazer o prato que o meu marido mais gosta? Imagens de uma dona de casa, de bandolete e saia rodada, com uma travessa de assado na mão, a abrir, sorridente, a porta ao marido que chega do trabalho invadiram-me logo ali. Eu tinha de estar à altura, não fosse aparecer-lhe uma flausina de assado na mão e levar-me o marido!
O primeiro problema era descortinar a que parte do porco se referia a receita. Não percebo absolutamente nada de cortes de carne em português, quanto mais em inglês! Com esforço e ajuda do senhor Licínio, o senhor do talho, lá descobri que o melhor era a pá de porco, sem osso e com a camada superior de gordura, para manter a carne húmida. Voltei para casa feliz e contente. A receita pedia que o porco fosse temperado com sal e pimenta e deixado pelo menos uma noite no frigorífico, coberto. Eu queria fazer o assado nesse dia, não havia tempo a perder! E por isso não fiz salga prévia, não deixei marinar. Na hora do forno, esfreguei-o bem com sal e lá fomos nós! Forno a 150ºC e o porco a assar, gordura para cima, durante 4 horas e 1/2.
Voltei para o escritório e fiquei de nariz à espreita. O cheiro começou a invadir a casa mais ou menos 1h depois de ter começado a corrida. Mais 1h e fui, sorrateira, enfiar dois raminhos de alecrim debaixo do porco, para dar algum sabor, e desfazer umas folhas de salva seca por cima. E esperei.
Findas as 4h e 1/2, tirei o porco do forno. Acrescentei-lhe a companhia de umas poucas batatas (que no código do meu querido marido assado sem batata é como pão sem manteiga), umas cenouras, cebolas em fatias grossas e muitos dentes de alho. 1 copo de vinho branco, outro de água. Polvilhei os acrescentados com sal grosso e mais alecrim, desta picado. Mais 1h de forno.
Quando o Zé chegou, toda a casa cheirava maravilhosamente. Quase consegui ver aquela mãozinha de fumo a puxá-lo pelo nariz, da porta até à cozinha. Nesse dia comemos muito. Eu nunca tinha comido um porco assado tão saboroso. E o meu marido tinha finalmente um assado à altura dos assados da vida dele. O porco desfazia-se na boca, tenro e saboroso, com um toque leve de alecrim. Quando o Zé me disse que entrava directamente para o top5 dos assados, eu, que de dona de casa dos anos 50 tenho muito, muito pouco, tive vontade de o esperar, assado numa mão, chinelos na outra, sorriso e bandolete, todos os dias dali para a frente.
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nota: esta é a receita que o Eduardo fez no Inter-blogs. A versão do menu que eu construí para ele substituía a batata por castanha e eliminava a sálvia.
Mariana,
Esse assado é realmente delicioso, quase que chegou aqui o cheiro, e eu que estou esgalgada de fome.
Adorei o teu texto que me fez lembrar um livro de receitas muito velhinho que anda lá por casa e que se chama “Escola de Noivas” com todas os conselhos práticos para que as futuras esposas extremosas saibam confeccionar pratos deliciosos, decorar a mesa e ainda se apresentarem airosas quando o marido chega a casa.
Eu também nunca fui muito boa nos assados, confesso, mas recentemente descobri que os assados feitos a baixa temperatura durante uma série de horas ficam muito agradáveis e a carne muito tenra. Mas nos dias que correm isso nem sempre é possível, às vezes o tempo que tenho para fazer o jantar é pouco mais que 30 ou 40 minutos, azares das donas de casa moderna.
Bjs
Moira
Fartei-me de rir com o teu post, que delícia – de texto, que o assado passou a segundo plano!
Parece que te imagino de sabrinas, baton cor-de-rosa e uma saia às bolinhas.
LOL!
Linda,
Como sabes, ainda há pouco tempo me iniciei no mundo do “slow-roasted” e fiquei imediatamente fã. Agora está um bocadito de calor para fazer um assado de 5 horas 1/2…. mas na próxima oportunidade, não me escapa.
beijocas
Meus assados também não ficam tão bons quanto eu gostaria. Mas o Marcel os faz divinamente. Tenho sorte.
bjocas
Olá,
Descobri-vos, a ti e ao blog há pouco tempo e fiquei fã! Muitos parabéns pelo blog, pelos textos e pela comida maravilhosa.
Vou experimentar fazer este assado no fim-de-semana e fiquei com duas dúvidas: Quando pões o porco no forno, não colocas nada no tabuleiro, nem gordura nem água? Não cobres o porco com papel de aluminio?
Obrigada e desculpa as perguntas básicas mas queria fazer tudo certinho!
beijos e tudo de bom
Cláudia
Pois, está claro!
Mal li o nome da receita lembrei-me logo da foto de salivar que a acompanha. 🙂
Quer dizer que selar ou não selar, é ao gosto do freguês, porque o aspecto fica sempre de deixar água na boca.
Beijihnos. 🙂
O Zé sabe das coisas! Batata é bom demais!
Agora, posso atestar que este porco é imperdível e, com este texto como acompanhamento, yotnou-se mais irresistível ainda.
Da próxima vez, além do menu, você também vai fazer o texto!
Abs.
Este meu teclado está uma bomba : troque yotnou-se por tornou-se. rs
Tão bom e tão deliciosamente narrado!