Quando eu era pequena, as melhores férias do mundo passavam-se no meio da Serra da Freita, numa casinha minúscula sem água canalizada, sem televisão, sem praticamente nada. Ainda me lembro de nem sequer haver luz – nas casas e nas ruas – e dos candeeiros de petróleo que usávamos. Lembro-me do Verão em que pintámos os móveis e do Verão em que se caiou a casa – tanto esmero posto na chaminé deixou-a branquinha e o resto da casa cinzenta porque a cal não chegou. Lembro-me dos amigos que lá tinha, hoje casados e pais de filhos apesar de serem praticamente da minha idade. Lembro-me de ir aos sapos, ao milho, às amoras. Dos banhos de rio, da louça lavada na água corrente, dos peixes e do fantasma das cobras de água. Da água gelada, como ainda hoje o é. Eram férias em que me sujava, em que caía e espetava espinhos nos pés, em que corria livre do nascer ao pôr do sol.
E lembro-me também dos regressos a casa. Dos banhos quentes que sabiam tão bem, depois de uma semana de banhos gelados tomados no rio. E das comidas que se faziam em casa, no dia de regresso. Era, invariavelmente, um domingo à noite, chegávamos tarde e não havia paciência para grandes cozinhados ou muitas coisas em casa. Fazíamos pizza, às vezes, naquelas bases redondas, congeladas, tipo bolacha, com molho caseiro e chouriço vindo da Serra, do porco do ano anterior. E fazíamos arroz de atum com ovos escalfados.
Nunca pensei muito no conceito de comfort food. Mas hoje, em minha casa, sempre que estou mais cansada ou mais em baixo dou por mim com desejos, sempre, de arroz de atum com ovos escalfados. Ovos nem sempre há, mas arroz e atum nunca faltam. Quando eu era pequena, o arroz de atum era feito pelo meu pai. Há muitos anos que não como o arroz de atum dele. A minha versão é diferente, desenvolvida a partir da dele. Não é a verdadeira, mas é, actualmente, a minha comfort food por excelência. Comida de uma tigela, com uma colher, enroscada no sofá. Não há melhor para ânimos cansados ou desanimados. E é tão fácil!
Num tacho médio alouro dois dentes de alho picados, numa dose razoável de azeite. Junto-lhes uma cebola média, em meias-luas muito finas e uma folha de louro. Quando a cebola estiver dourada, junto-lhe meias-luas de cenoura, bem finas também. Duas latas de atum em azeite, parcialmente escorrido (se estiverem bem deprimidos podem juntar mais azeite deste do atum – fica mais calórico mas também fica muito mais saboroso). Meio copo de vinho branco até reduzir. Uma medida de ervilhas congeladas e polpa de tomate, só um bocadinho. Quando estiver tudo já bem envolvido, os sabores bem misturados, junto uma medida de arroz (ultimamente tenho usado o basmati – usei-o num dia em que não havia do outro e o resultado agradou-me muito), que deixo saltear brevemente na mistura. Junto duas medidas e mais um bocadinho de água, acerto o sal, tapo. Quando o arroz estiver quase pronto mas ainda havendo um pouco de água, abro um ovo por pessoa, sobre a superfície do arroz. Este timing depende da forma como gostarem do ovo – eu prefiro-o mais cozido, por isso junto-o mais cedo. Se o quiserem mais líquido, juntem-no mais tarde.
Não é o prato mais fotogénico, por mais que se tente. Mas é daqueles que mais bem me fazem à alma e que como feliz, saboreando também as memórias que me traz.
Comidinha boa é aquela que nos deixa feliz, da barriguinha à alma! E se tiver lembranças boas, hummmmm, fica melhor ainda!
Beijinhos,
A comida que reconforta é a melhor do mundo. Os sabores que nos ficam na memória são sempre maravilhosos. Beijocas
Que recordações tão boas… estava a ler e fez-me recordar as minhas férias em miuda na aldeia do meu pai perto de Viseu!
Mas que saudades…
De animo cansado ou desanimado???? hum… depois de uma comidinha assim não sei nao! :DDD
bjs
Você tem toda razão em pensar neste arrozinho nos momentos de pura vontade de ficar ali quietinha.
Para mim estas são as melhores receitas.
Bjs!
Adoro ovos escalfados. Eu também tenho comfort food, sempre tive. Alguma tem mesmo de ser a minha mãe a fazer, por + que se tente nunca fica igual ao dela. Ou nem se tenta! 😉 Massa guisada com carne, feijoada… não há como a da minha mãe.
Nós lá em casa fazemos chilli. Ou, se bem que esta é um comfort diferente, as belas das salsichas (de lata, Nobre) fritas com ovo estrelado e batatas fritas caseiras. Nham 🙂
Mariana, que historia boa de ler!
E voce me inspirou… Ja tenho o menu do jantar de hoje!
[iurrruuuuu!!]
beijos,
Este arroz deve ser bom”
As nossas férias de criança parecem-nos sempre melhores.
São memórias de dias bem passados que nos fazem pessoas mais felizes.
A minha mãe também tem uma versão de arroz de atum mas bem diferente e fácil, e é daquelas coisas que eu como com muito prazer.
Beijoca
Mariana, texto excelente, receita e foto também e a preferência pelo arroz Basmati só faz confirmar o que eu acho: visitar o Caos é um grande prazer !
Oi Mariana,
é a primeira vez que venho aqui no seu blog. Conheci pela Fernanda, do Chucrute com Salsicha…..
Amei este seu post e ele me trouxe recordações de várias “comfort food” preparadas por minha mãe, avó, tias…. mas esta em especial me fez lembrar das nossas pescarias no rancho e do arroz com frango, açafrão e muita pimenta dedo-de-moça….
Ahhhh que saudade destas delícias!
Obrigada pela receita que parece ser deliciosa e pelas recordações que me trouxe.
Abraços,
Carol
Olá, depois de ver a referencia ao seu blog no da Fer resolvi dar uma passada aqui e adorei .
Esta receita veio me trazer muitas boas recordações principalmente dos almoços que a minha querida avó me fazia e que um desses pratos era precisamente este.
Confesso que desde que a minha avó partiu nunca mais comi e a verdade é que ao vê-la fiquei com vontade de a fazer e partilhar esse momento com a minha familia.
São coisas assim que fazem os bons momentos da vida…
nem de preposito, andava a procura de algo para o almoço e vim ca parar. hoje é dakeles dias k tou desanimadita.
por isso vou ja fazer o almoço. obrigada pela receita vou ver se resulta.
[…] a casa tarde e cansada e ter que fazer jantar sem ter nada descongelado.Lembrei-me entao desta receita, e assim fiz….Só que foi de cabeca, portanto nao segui todos os passos indicados pela nossa […]